quarta-feira, 9 de junho de 2021

Sutura


    O inverno para mim sempre foi minha estação favorita, não somente porque sou amante dos casacos longos, mas principalmente porque me possibilita estar mais perto das pessoas que amo. Mas para minha vida a trinta anos o inverno é uma estação estranha do ponto de vista fisiológico. Como a maioria das pessoas que tem descendência caucasiana, a melanina no meu sistema é em termos escassa. Consequentemente, todo inverno convivo com o ressecamento das mãos.  Esse fato ocorre a trinta anos na minha vida e o que mais ouço é "caramba, passe um creme não lhe incomoda essas mãos ressecadas? Eu por educação, respeitosamente observo minhas mãos e contra argumento " verdade, preciso passar um creme", mas raramente o passo. Considero o momento de passar o hidratante, quando realmente vejo minhas mãos sangrar. 
    Diferente de outros anos esse inverno, minhas mãos sangrando me fizeram refletir que a maneira como encarro minha vida inteira é exatamente da mesma forma como lido com minhas próprias mãos. Sangrar me movimenta, eu sou amante da dor, da resiliência, me acostumo muito fácil com coisas ruins na expectativa de que elas vão melhorar... entretanto, raramente melhoram. Eu possuo alta resistência a dor de forma consciente. Mas meu subconsciente entende isso de maneira completamente oposta, ele não tem a mesma compreensão e o resultado são reações psicossomáticas, até o ponto de sangrar a ansiedade me consome as horas, o sono, o apetite. Certamente, isso não é uma reação saudável. 
    A consciência sobre as coisas realmente vem sem ser esperada, o fato de minhas mãos sangrarem e isso na minha vida ser algo tão "confortável" revela que eu sou crente. Eu acredito que sempre as coisas melhoram. Mas quando se trata da minha relação com outras pessoas isso se torna algo muito mais doentio,  pois sou tão cheia de fé que promessas são contratos, que acredito somente no que é dito, quando na verdade deveria mesmo é vigiar o que é feito. Por anos e mais anos, me prendi aos fatos, mas em um mundo de amores líquidos... o verdadeiro amor é a ação. As ações não mentem as pessoas e suas palavras sim. No momento em que compreendi o sentido e profundidade disso, percebi que na realidade não é que gosto de sangrar, é que estou sempre pensando no band-aid.